Bayard Demaria Boiteux (1916 - 2004)

NA ESCOLA, TAL COMO NO MUNDO, TODOS SOMOS PROFESSORES E TODOS SOMOS ALUNOS.
(Faculdade Economia Porto)

terça-feira, janeiro 22, 2013

Gás pimenta na Pátria que nos pariu

O que diríamos de um pai que lançasse gás pimenta sobre os olhos do seu filho? O que diríamos de um professor que fizesse tal coisa a um aluno? O que devemos dizer sobre um polícia que o usa, levando a que crianças e jovens, entre os 12 e os 15 anos, a receber assistência hospitalar? Foi isso que a polícia fez na última sexta-feira, em Braga, para abrir um portão de uma escola perante uma manifestação que não representava qualquer risco para a segurança dos cidadãos.
Como pode o Estado português garantir o cumprimento da lei nacional e das convenções internacionais por ele assinadas, que proíbem qualquer forma de violência sobre crianças, se são as suas forças de segurança a usar, ao mínimo pretexto, violência contra crianças? Sim, violência. Devo recordar que a Amnistia Internacional considerou, quando foi usado, na Califórnia, este tipo de arma contra manifestantes adultos, que se tratava de um ato "cruel, inumano e degradante". Porque o gás pimenta causa um ardor extremamente doloroso, irritação nos olhos, náusea, choque e vómito quando usado contra a cara de alguém. Pode ter efeitos dramáticos em pessoas com asma ou outros problemas respiratórios.
Antes de mais, seria interessante perceber se a polícia usou de outros meios para abrir os portões da escola. Começando por se estranhar que a direção da escola se tenha insurgido contra esta atuação policial quando apenas dela poderia vir a exigência de abertura de instalações que estão à sua guarda. Ou seja, a polícia atuou por por decisão própria, sem que ninguém, a começar pelos afectados, lhe tenha pedido que assim atuasse. Justificou o seu comportamento extremo como forma de evitar outras formas "mais musculadas" de repressão (imagino que quando desatarem à bastonada a miúdos dirão que antes isso do que lhes dar tiros). O uso de gás pimenta contra menores (incluindo miúdos de 12 anos) para abrir os portões de uma escola, sem que antes se tenha deixado que seja a própria direção da escola a resolver o problema, só pode ser considerado, por pessoas com o mínimo de bom senso, como um uso desproporciodo de violência. Coisa que, para quem não o saiba, está interdita à polícia. As forças policiais não têm legitimidade para usar da violência em qualquer circunstância.
O grande argumento que por aí se vê em defesa desta indefensável atuação policial é o de que aquelas crianças e adolescentes tinham desrespeitado uma ordem policial. Para quem esteja pouco familiarizado com o Estado de Direito, as forças policiais devem usar da violência para garantir um bem maior do que o dano que causam. Em Portugal, o uso da violência não serve para punir
Porque quem determina punições perante a violação da leis são os juízes, não são os polícias, sem autoridade nem formação para interpretar e aplicar a justiça. E nessas punições não está incluída a violência física. 
A polícia garante a segurança pública. E em nenhum relato do que ali sucedeu se percebe onde estava, antes da ação policial, em risco a segurança pública.
A evidente desproporcionalidade desta ação policial e a sua desumanidade perante a idade das vítimas - entre 12 e 15 anos, recordo de novo - não impediu que imensas reações em blogues e sites fosse de aplauso ao que só poderia, num país civilizado, merecer repúdio geral. Mais: a reação automática é a de que quem se manifesta é, à partida, um prevaricador. 
O que não pode deixar de fazer pensar que, ao fim de 40 anos, há quem ainda não se tenha habituado à democracia
E que, como aliás se vê perante todos os sinais do crescente autoritarismo deste governo, há quem veja com naturalidade o uso da violência do Estado contra os cidadãos. E que este deve começar bem cedo, para que todos se habituem à bovina obediência que se tenta instalar no País.
Nos telejornais de sexta-feira, esta notícia, que deveria ter merecido uma indignação geral, foi brevemente referida. Em dois dos três casos sem nunca se referir as idades das vítimas desta brutalidade.
Da fraca de reação geral a um caso que deveria levar à uma ação criminal contra o responsável policial que deu ordem para assim se atuar e, provavelmente, à demissão do ministro da Administração Interna; e do pouco destaque que este caso mereceu na comunicação social, só posso concluir uma coisa: quem viveu quase meio século em ditadura habitua-se rapidamente a qualquer sevícia, desde que esta venha do Estado. E já nem os seus próprios filhos sabe proteger.
 Esta foi, lamentavelmente para a geração em que ainda podemos ter alguma esperança, a Pátria que os pariu.

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