Bayard Demaria Boiteux (1916 - 2004)

NA ESCOLA, TAL COMO NO MUNDO, TODOS SOMOS PROFESSORES E TODOS SOMOS ALUNOS.
(Faculdade Economia Porto)

terça-feira, novembro 04, 2008

A Ministra do Nosso Descontentamento - 1

MOÇÃO COM VISTA À SUSPENSÃO DA APLICAÇÃO DO NOVO MODELO
Exmo. SenhorPresidente do Conselho Executivo e do Conselho Pedagógico da Escola Secundária com 3ºciclo de Lousada À luz de manifestações similares em outros outras escolas do país, os professores da Escola Secundária de Lousada declaram o seu mais veemente protesto e desacordo perante o novo Modelo de Avaliação de Desempenho introduzido pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2008. Não questionam a avaliação de desempenho como instrumento conducente à valorização das suas práticas docentes, com resultados positivos nas aprendizagens dos alunos e promotor do desenvolvimento profissional. Consideram que a Avaliação de Desempenho constitui assunto demasiado sério, que deve resultar de uma ampla e séria discussão, não devendo, por isso, estar sustentada em arbitrariedades, desconfiança, vazio de conteúdo, nem em números que apenas servem os propósitos de um governo que esquece alguns dos valores maiores de uma educação humanista e humanizada que se pretende. Advogam um modelo de avaliação resultante de um amplo debate nacional entre professores, seus legítimos representantes e a tutela, consistente, que motive os professores e fomente a qualidade e o prestígio da escola pública. O Modelo de Avaliação regulamentado pelo Decreto Regulamentar nº. 2/2008 não assegura a justiça, a imparcialidade e o rigor, nem valoriza, de facto, o desempenho dos docentes. Assim, os professores abaixo assinados, consideram este Modelo de Avaliação: · excessivamente burocrático, muito complexo, obrigando ao preenchimento de um grande número de fichas com um sem número de indicadores. Torna-se, por isso, inexequível, sendo inviável praticá-lo segundo critérios de rigor, imparcialidade e justiça. · estrangulador de um ambiente de trabalho colaborativo e de partilha, por isso mesmo, sem qualquer mais valia pessoal e/ou profissional. Esta situação é agravada pelo estabelecimento de quotas que também não consideram a realidade de cada escola. · opressor dos professores, porque os obriga a desdobrarem-se em múltiplas tarefas, não deixando o tempo necessário para o desenvolvimento do trabalho pedagógico e acompanhamento dos alunos, subvertendo, assim, a essência do trabalho dos professores.
1-Relevância das classificações dos alunos
a) Ao contrário da convicção dos responsáveis pela área da Educação, considera-se que não é legítimo subordinar, mesmo que em parte, a avaliação do desempenho dos professores e a sua progressão na carreira, ao sucesso dos alunos e ao abandono escolar (Decreto Regulamentar nº 2/2008, Artigo 8º, ponto 1, alínea b), desprezando-se uma enormidade de variáveis e de condicionantes que escapam ao controlo e à responsabilidade do professor, tendo em conta a dificuldade fáctica em ponderar, objectivamente, a diversidade e a incomparabilidade de casos e situações. Desta forma, criam-se condições desiguais entre colegas – por exemplo, as turmas são constituídas por alunos com diferentes motivações e especificidades; há disciplinas em que a obtenção de sucesso está mais facilitada, pelo que os resultados da avaliação dos alunos serão comparados entre disciplinas com competências e níveis de exigência totalmente diferentes; b) Deveria ser incontestável que os resultados dos alunos visam avaliar, tão-só, os próprios alunos, a partir de uma notável diversidade de critérios, como conhecimentos adquiridos, empenho, assiduidade, condutas e valores, os quais variam na definição e na percentagem atribuídas por cada escola. Outra coisa diferente e admissível é a existência de avaliações externas dos níveis de sucesso e de insucesso das escolas, enquanto instrumentos de reflexão e de intervenção com vista à melhoria de resultados; c) Tendo em conta o afirmado anteriormente, existem dinâmicas sociais e locais, cujo impacto nas escolas é real, mas de mensuração difícil e, como tal, não se encontra estudado ao pormenor (como pressupõe o Modelo de Avaliação do Desempenho), relativamente às quais os professores são impotentes, não podendo assumir, naturalmente, o ónus por contingências que os transcendem, como sejam: as acentuadas desigualdades económico-sociais que afectam a sociedade portuguesa; o elevado número de jovens que vivem em situação de pobreza, em famílias desestruturadas ou cujos pais são vítimas de desemprego ou de ocupações precárias e mal remuneradas; a “guetização” de certas áreas residenciais, indutora de formas de socialização desviantes, de marginalidade e, consequentemente, de indisciplina na escola; a existência de elevados défices de instrução e de literacia entre os pais de muitos jovens que frequentam a escola; a falta de tempo, de motivação ou de saberes que permitam aos pais efectuar o acompanhamento escolar dos filhos ou, sequer, incutir-lhes o valor da aprendizagem escolar; as pressões familiares ou sociais para o abandono precoce da escola em troca de expectativas de trabalho e de remuneração. Além destas tendências, não podemos negligenciar as desiguais condições das escolas, nomeadamente, ao nível da qualidade e disponibilidade de equipamentos, da distribuição de alunos, quer com problemas e dificuldades acrescidas, quer com distintas resistências à disciplina e à aprendizagem, bem como ao nível dos suportes de acompanhamento psicopedagógico dos casos mais difíceis, para se darem apenas alguns exemplos; d) Consideramos, igualmente, que a aplicação do modelo de Avaliação de Desempenho indicia a violação do Princípio da Igualdade consagrado no Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, ao estabelecer um paralelo entre a avaliação interna e a avaliação externa, sendo este critério apenas aplicável às disciplinas que têm exame a nível nacional e estabelece ainda desigualdades entre os professores, fundamentalmente no Ensino Básico, porque só algumas disciplinas são sujeitas a avaliação externa que é tida em conta na avaliação de desempenho. e) Outra dúvida pertinente tem a ver com a responsabilidade da atribuição dos níveis de classificação. Como é do conhecimento geral, os professores nas reuniões de avaliação levam propostas de avaliação, sendo que a nota final é da responsabilidade dos membros do Conselho de Turma, não sendo, pois, considerada uma decisão pessoal. Como será feita a distribuição das classificações decorrentes do processo de Avaliação do Desempenho? Exemplificando: um professor não atingiu a meta prevista para as avaliações e nesse parâmetro obteve dois valores. Não sendo ele o único responsável, esta nota terá de ser dividida pelos membros do Conselho de Turma. E como será feita essa divisão? E não haverá mais injustiças, uma vez que as notas podem ser divididas por cinco ou por dez professores, mediante o número de membros do Conselho de Turma? Qual a fórmula ou grelha que nos vai ser apresentada? Está pronta ou pensada? f) E no caso de alunos do 12º ano? As notas que vão para a pauta não são da exclusiva responsabilidade do Conselho de Turma desse ano, mas do somatório das notas atribuídas pelos Conselhos de Turma do 10º, 11º e 12º ano e consequente divisão por três. Como se fará a divisão das notas atribuídas em situação de avaliação? E se um dos professores de um desse Conselhos de Turma já não estiver na escola? Qual é a fórmula ou grelha que nos vai ser apresentada? g) Deixamos a seguinte nota: não se pode deixar de fazer esta divisão e distribuição das classificações, pois o Conselho de Turma não pode ser o responsável pelas notas finais e, depois, para efeitos de avaliação, o único responsável ser o professor da disciplina. h) Por que razão, estando envolvidas no processo entidades distintas como Ministério da Educação, encarregados de educação, alunos e professores, só aos últimos são exigidos deveres e se cobram resultados?
2- Apresentação das grelhas de Objectivos
a) Havendo evidentes disparidades na apresentação dos objectivos individuais de cada professor, qual será a forma mais correcta na apresentação dos mesmos? Devem os professores obedecer cegamente às metas da Escola ou apresentar, efectivamente, aquelas que consideram ser, mediante as realidades de cada turma, as suas reais previsões (falíveis para quem não possui capacidades de adivinhação)? b) Como forma de uniformizar os objectivos apresentados por cada professor, não deveria (deverá) a Escola fornecer Formação adequada aos professores para preenchimento dessas grelhas? Qual é a proposta de Formação adequada que a Escola vai apresentar para esta uniformização, mesmo sabendo que os objectivos já foram apresentados segundo a arbitrariedade e o bom senso de cada um, muitas vezes baseados em rumores e no “ouvi dizer que é assim”? c) Poderemos considerar válidos os objectivos apresentados, se ninguém teve Formação específica para o correcto preenchimento das Grelhas de Objectivos?
3- Ilegalidades na atribuição de classificações
a) É de recusar a ilegalidade nos critérios para a obtenção da classificação de Muito Bom ou de Excelente, penalizando o uso de direitos constitucionalmente protegidos, como ser pai/mãe, estar doente, acompanhar o processo educativo dos filhos, participar em eventos de reconhecida relevância social ou académica, acatar obrigações legais ou estar presente nos funerais de entes queridos; a nossa recusa é sustentada por legislação. Devido a interpretações erradas do significado do verbo “equiparar”, tem-se pretendido prejudicar os docentes, num dos parâmetros da avaliação, quando estes, por exemplo,( além das situações já nomeadas) vão a reuniões sindicais ou pretendem realizar actividades extra-curriculares, obrigando-os a repor as aulas a que se ausentaram legitimamente. O artigo 103º do novo ECD explica que ausências são equiparadas a serviço efectivo ( em anexo segue um mapa com as ausências equiparadas a serviço docente ). E passamos a explicar o significado de “equiparar”: tornar igual; igualar. Se algumas aulas previstas não foram dadas por ausências que são equiparadas a serviço docente, as mesmas, em momento algum, podem ser apresentadas para qualquer efeito como não dadas. Ainda neste ponto, o mesmo se passa em relação a faltas dadas ao abrigo do artigo 102º: a única penalização a que estamos sujeitos é a prevista na lei. Desconta-se esse tempo nas férias e não podemos ser duplamente penalizados.
4- Avaliadores e Avaliados
a) A possibilidade efectiva deste Modelo de Avaliação do Desempenho colidir com normativos legais, nomeadamente, o Artigo 44º da Secção VI (Das garantias de imparcialidade) do Código do Procedimento Administrativo, o qual estabelece, no ponto 1, alíneas a) e c), a existência de casos de impedimento sempre que o órgão ou agente da Administração Pública intervenha em actos ou questões em que tenha interesses semelhantes aos implicados na decisão. Ora, os professores avaliadores concorrem com os professores por si avaliados no mesmo processo de progressão na carreira, disputando lugares nas quotas a serem definidas; b) Este Modelo de Avaliação do Desempenho, é igualmente condenável, porque, além de configurar uma arquitectura burocrática absurda e desajustada daquilo que é relevante no processo de ensino/aprendizagem, pode desencadear, no quotidiano escolar, processos e relações de extraordinária complexidade e melindre, mercê de contingências disparatadas, como os avaliadores de hoje serem avaliados amanhã, e vice-versa, avaliadores com formação científico-pedagógica e académica de nível inferior aos avaliados, ou ocorrerem avaliações da qualidade científico-pedagógica de práticas docentes empreendidas por avaliadores oriundos de grupos disciplinares muito díspares (os quais, nem sequer foram objecto de uma formação adequada em supervisão e avaliação pedagógica, quanto mais científica); c) O Ministério da Educação não está em condições de poder assegurar às escolas que muitos dos avaliadores possuam, além das competências de avaliação requeridas, uma prática pedagógica modelar, ou apenas razoavelmente bem sucedida, nos parâmetros em que avaliam os colegas. Em contexto escolar, parece-nos anti-pedagógico e contraproducente impor a autoridade por decreto, a partir de uma cegueira autocrática; d) E os avaliadores? Além de professores com todo o apelo que a função exige, além de avaliados como os seus pares, terão que “fabricar” tempo para pôr de pé uma estrutura avaliativa megalómana que o Ministério da Educação criou e que ele próprio não é capaz de sustentar, como se pode ver pela incapacidade de preparar e colocar no terreno inspectores para avaliação dos Coordenadores. Na nossa Escola, os avaliadores são também, em grande parte dos casos, Coordenadores de mega-departamentos, e, por inerência de funções, membros do Conselho Pedagógico e, por inerência, membros da Comissão de Avaliação de Desempenho, e avaliadores de uma dúzia de colegas, e ainda, deverão ser “o espelho dos mesmos”. e) Estes “super-homens” e estas “super-mulheres” são “premiados” com um tempo de 45 minutos semanais, reduzidos à sua componente não lectiva, para avaliar quatro pessoas. Feitas as contas, o avaliador terá, anualmente, entre oito a nove tempos para avaliar o seu par. Se retirarmos a este “bolo” seis tempos que correspondem a três aulas assistidas, sobrarão dois ou três tempos para a reunião de “negociação” dos objectivos individuais com o avaliado, para as reuniões antes e depois de cada aula assistida, para a reunião final entre avaliadores e avaliado, para a construção de grelhas de observação, para a análise de todas as evidências e documentos necessários ao preenchimento das grelhas de avaliação (planificações, sumários, portefólios, actas, etc.), para a ponderação da própria avaliação final, etc, etc, etc. f) Legalmente, como estipula o Artigo 37º do Código de Procedimento Administrativo, os actos de delegação de poderes, caso dos avaliadores, estão sujeitos a publicação no Diário da República, o que, na prática, significa que toda e qualquer acção anterior a esta publicação é ilegal – note-se que se o ministério remete a delegação de poderes para o nº 1 do artigo 35º do Código do Procedimento Administrativo, e conforme estabelece o nº 2 do artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro e o n.º 2 do Despacho nº 7465/2008, de 13 de Março, esquece-se, no entanto, de mencionar que o artigo 37º do Código do Procedimento Administrativo não pode ser escamoteado. Bem como que nem o Despacho nº 7465/2008, de 13 de Março, nem o Decreto Regulamentar n.º 2/2008 de 10 de Janeiro, podem dar suporte legal para tal delegação.
5- Novas directrizes do Ministério da Educação
Por outro lado fomos confrontados, nos últimos dias, com as novas directrizes do Ministério da Educação que, baseando-se neste modelo de avaliação do desempenho, vem adulterar a graduação profissional dos professores através da introdução de uma nova variável, ou seja: um professor que obtenha Excelente terá mais 3 valores na graduação, um que tenha Muito Bom terá mais 2 valores e os restantes (metidos todos no mesmo saco!), a quem for atribuída a classificação de Bom, Insuficiente ou Regular terão todos zero, o que, mais uma vez, configura o total desrespeito pelo trabalho e dedicação dos Professores deste País. Esta situação é inadmissível e jamais será aceite por qualquer Professor.
6- Papel do CCAP
a) O próprio Conselho Científico da Avaliação dos Professores (estrutura criada pelo ME) nas suas recomendações, critica aspectos centrais do modelo de avaliação do desempenho como a utilização feita pelas escolas dos instrumentos de registo, a utilização dos resultados dos alunos, o abandono escolar ou a observação de aulas, como itens de avaliação; b) Consideramos, finalmente, incompreensível que tendo sido constituído um CCAP, com um papel primordial em todo este processo, este órgão se encontre praticamente inactivo, em virtude da aposentação da sua Presidente e da demissão de, pelo menos, mais um dos seus membros É, pois, perante todos estes argumentos que os professores da Escola Secundária de Lousada tomam a decisão de suspender a sua participação em toda e qualquer iniciativa relacionada com a avaliação do desempenho à luz do novo Modelo de Avaliação do Desempenho, na defesa da qualidade do ensino e do prestígio da escola pública. EXIGIMOS A SUSPENSÃO DO MODELO DE AVALIAÇÂO DO DESEMPENHO DECRETADO PELO GOVERNO ENQUANTO NÃO FOREM ESCLARECIDAS AS QUESTÕES QUE TÊM VINDO A SER COLOCADAS AO LONGO DO PROCESSO E NEM RESPEITADAS AS RECOMENDAÇÕES VEICULADAS PELO CONSELHO CIENTÍFICO. EXIGIMOS A NEGOCIAÇÃO DE OUTRO MODELO DE AVALIAÇÃO E A REVOGAÇÃO DO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE.

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