O que diríamos de um pai que lançasse gás pimenta sobre os olhos do seu filho? O que diríamos de um professor que fizesse tal coisa a um aluno? O que devemos dizer sobre um polícia que o usa, levando a que crianças e jovens, entre os 12 e os 15 anos, a receber assistência hospitalar? Foi isso que a polícia fez na última sexta-feira, em Braga,
para abrir um portão de uma escola perante uma manifestação que não
representava qualquer risco para a segurança dos cidadãos.
Como pode o Estado português garantir o cumprimento
da lei nacional e das convenções internacionais por ele assinadas, que
proíbem qualquer forma de violência sobre crianças, se são as suas
forças de segurança a usar, ao mínimo pretexto, violência contra
crianças? Sim, violência. Devo recordar que a Amnistia
Internacional considerou, quando foi usado, na Califórnia, este tipo de
arma contra manifestantes adultos, que se tratava de um ato "cruel, inumano e degradante". Porque o gás pimenta causa um ardor extremamente doloroso, irritação nos olhos, náusea, choque e vómito quando usado contra a cara de alguém. Pode ter efeitos dramáticos em pessoas com asma ou outros problemas respiratórios.
Antes de mais, seria interessante perceber se a
polícia usou de outros meios para abrir os portões da escola. Começando
por se estranhar que a direção da escola se tenha insurgido contra
esta atuação policial quando apenas dela poderia vir a exigência de
abertura de instalações que estão à sua guarda. Ou seja, a polícia
atuou por por decisão própria, sem que ninguém, a começar pelos
afectados, lhe tenha pedido que assim atuasse. Justificou o seu
comportamento extremo como forma de evitar outras formas "mais musculadas"
de repressão (imagino que quando desatarem à bastonada a miúdos dirão
que antes isso do que lhes dar tiros). O uso de gás pimenta contra
menores (incluindo miúdos de 12 anos) para abrir os portões de uma
escola, sem que antes se tenha deixado que seja a própria direção da
escola a resolver o problema, só pode ser considerado, por pessoas com o
mínimo de bom senso, como um uso desproporciodo de violência.
Coisa que, para quem não o saiba, está interdita à polícia. As forças
policiais não têm legitimidade para usar da violência em qualquer
circunstância.
O grande argumento que por aí se vê em defesa desta
indefensável atuação policial é o de que aquelas crianças e adolescentes
tinham desrespeitado uma ordem policial. Para quem esteja pouco
familiarizado com o Estado de Direito, as forças policiais devem
usar da violência para garantir um bem maior do que o dano que causam.
Em Portugal, o uso da violência não serve para punir.
Porque quem
determina punições perante a violação da leis são os juízes, não são os
polícias, sem autoridade nem formação para interpretar e aplicar a
justiça. E nessas punições não está incluída a violência física.
A
polícia garante a segurança pública. E em nenhum relato do que ali
sucedeu se percebe onde estava, antes da ação policial, em risco a
segurança pública.
A evidente desproporcionalidade desta ação policial e
a sua desumanidade perante a idade das vítimas - entre 12 e 15 anos,
recordo de novo - não impediu que imensas reações em blogues e sites
fosse de aplauso ao que só poderia, num país civilizado, merecer repúdio
geral. Mais: a reação automática é a de que quem se manifesta é, à
partida, um prevaricador.
O que não pode deixar de fazer pensar que, ao fim de 40 anos, há quem ainda não se tenha habituado à democracia.
E que, como aliás se vê perante todos os sinais do crescente autoritarismo deste governo, há
quem veja com naturalidade o uso da violência do Estado contra os
cidadãos. E que este deve começar bem cedo, para que todos se habituem à
bovina obediência que se tenta instalar no País.
Nos telejornais de sexta-feira, esta notícia, que
deveria ter merecido uma indignação geral, foi brevemente referida. Em
dois dos três casos sem nunca se referir as idades das vítimas desta
brutalidade.
Da fraca de reação geral a um caso que deveria levar
à uma ação criminal contra o responsável policial que deu ordem para
assim se atuar e, provavelmente, à demissão do ministro da Administração
Interna; e do pouco destaque que este caso mereceu na comunicação
social, só posso concluir uma coisa: quem viveu quase meio século em
ditadura habitua-se rapidamente a qualquer sevícia, desde que esta venha
do Estado. E já nem os seus próprios filhos sabe proteger.
Esta foi,
lamentavelmente para a geração em que ainda podemos ter alguma
esperança, a Pátria que os pariu.
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