No Correio do Minho, uma opinião esclarecida sobre os fãs fundamentalistas da Troika:
Não é a primeira vez que refletimos sobre a centralidade que a análise
quantitativa e de tempo breve adquiriu nestas circunstâncias neopositivistas que
o século XXI recuperou. Temos, nomeadamente, salientado a pertinência dos
números nas tentativas de explicação da realidade que nos rodeia. Reconhecemos a
sua eficácia no tratamento de alguns dados, fazendo realçar evidências que, de
outra forma, permaneceriam escondidas.
Contudo, há sempre aquela
tentação de acreditarmos piamente que um ou outro instrumento poderão ser
suficientes para explicarmos o mundo em que vivemos. Sobretudo se predominar
aquele espírito, alimentado pela ignorância, de que estes instrumentos são algo
mais do que a própria mente humana possa elaborar, tornando-se independentes do
seus criadores, logo resistentes ao tempo e às limitações dos seus autores. Na
realidade, esta ideia peregrina, que eu francamente pensava que o século XX
tinha condenado ao uso exclusivo da «mesa de café» (perdoem-me os doutos
pensadores que sobre essas mesmas mesas garantiram à humanidade grandes
conquistas), encontra-se agora recuperada e renovada.
Assim, parece que
estamos condenados ao domínio das infindáveis análises estatísticas, crentes de
que os números conhecem as pessoas, crentes de que as previsões, só por
utilizarem linguagem matemática, trabalham com dados de futuro, crentes de que
há ciências do «passado» e ciências do «futuro», ciências «melhores» e ciências
«piores», saberes «relevantes» ou saberes «inúteis».
Aliás, essa coisa do passado e do futuro sempre me
confundiu. Sempre estranhei aquela ideia de que a
História estaria confinada ao passado e que, por exemplo, todas as outras
ciências, por óbvia contraposição, fossem ciências do presente ou do futuro. Mas
hoje, o que nos anima não se centra nestas «minudências», centra-se no discurso
das «inutilidades» que ousa emergir em diferentes cenários e contextos.
Mas de que «inutilidades» estamos a falar? Dos historiadores ou professores de
História, irrelevantes para a economia nacional, tal como Camilo Lourenço
explicou? Dos filósofos que teimam em pôr toda a gente a interrogar-se e a
pensar? Das artes que constroem um outro olhar sobre o mundo que nos rodeia? Da
sábia Literatura que tantas gerações ilumina ou iluminou? Da cultura que
sustenta o nosso sentido de existir? E a Educação, essa será verdadeiramente
inútil?
De quantos saberes estamos dispostos a abdicar para que as contas se acertem?
De quanto futuro, verdadeiramente, estamos dispostos a prescindir para que a realidade se submeta aos números que alguns insistem em validar?
De quantos saberes estamos dispostos a abdicar para que as contas se acertem?
De quanto futuro, verdadeiramente, estamos dispostos a prescindir para que a realidade se submeta aos números que alguns insistem em validar?
Quantas certezas hoje proclamadas vão depois engrossar as fileiras da
inutilidade?
Será ignorância? Será estratégia?
Caro Camilo, nós, os «inúteis» professores de História, ao lado de tantos outros «inúteis», não estamos dispostos a ficar no silêncio para que as contas se acertem e, com a mais profunda das humildades, não prescindimos dos saberes de que somos portadores, das dúvidas e perguntas que, ainda com muita esperança, acreditamos que a Escola nos possa ajudar a construir
Será ignorância? Será estratégia?
Caro Camilo, nós, os «inúteis» professores de História, ao lado de tantos outros «inúteis», não estamos dispostos a ficar no silêncio para que as contas se acertem e, com a mais profunda das humildades, não prescindimos dos saberes de que somos portadores, das dúvidas e perguntas que, ainda com muita esperança, acreditamos que a Escola nos possa ajudar a construir
Manuela Gomes
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